Um Brinde à Poesia

Um Brinde à Poesia

sábado, 9 de novembro de 2013

Um Brinde à Poesia Nit. - Especial "Escritores de Niterói"



Vamos celebrar! 
Temos muitos motivos para fazer Um Brinde à Poesia. 
O mês de Novembro traz o aniversário de Niterói, que completa 440 anos, 
no dia 22. E, no dia 20, comemoramos o Dia da Consciência Negra.
Por isso eu preparei uma edição muito especial! 
Niterói é o berço de grandes nomes das letras. 
Entre tantos brilhantes e talentosos escritores, cinco estarão presentes, 
recebendo o carinho e homenagem. 
Para começar, chamei o mago dos versos e mestre da arte de falar poesia, 
meu querido amigo Naldo Velho, o qual reverencio.
Ilustre presença, que tem provocado imensa saudades em todos, 
retornando aos palcos do brinde e nos presenteando com seus versos,
 a querida amiga Beatriz Chacon.
A amiga, Maria Helena Latini, também estará presente com a delicadeza
e sensibilidade de "Ângela e Antônio", seu mais recente livro. 
A amiga poetisa e jornalista Belvedere Bruno também 
confirmou presença e nos brindará com seus versos emocionantes. 
Para fechar o grupo, a poetisa guerreira Débora Moreno, 
que traz em seus versos a certeza, que com força e vontade tudo é possível. 
Um grande exemplo de superação.   
Com imenso prazer, irei apresentar esta programação "Especial Niterói", 
contando ainda com a presença dos maravilhosos amigos poetas José Terra e
Marcia Mendes, que brindarão a "Conciência Negra" com marcantes 
versos que despertam nossa reflexão. 
No telão "Niterói, Atração a Primeira Vista", Ensaio fotográfico,
 que preparei em homenagem a cidade que nasci e amo.
Os convidados musicais eu adoro!, 
Retornando aos palcos do brinde, a querida cantora Louise Hug, 
com sua belíssima voz e o músico André Rangel, no violão.
Tem também o “Momento D’versos” em que eu convido a platéia 
para participar com um poema ou uma música. 
E encerraremos a noite com Versos a Circular – Celebração, 
quando todos sobem ao palco para uma foto, 
celebrando a paz e a liberdade de ser.
Sorteio de brindes.

Paz! Graças a Deus! Brilha Luz!
Beijo no coração!

 Lucília Dowslley 
(21) 82229865




ACORDA


Vai impor a cor da dor

A cor da cor?

A cor do amor?

Acorda.

Quando corta

Não importa

Sangra igual

Abra a porta

 Da sua consciência

Desobstrui aorta

O músculo sente

Mente liberta

Bombeia o sangue

Venta nas asas

Raça mix

Ecoa PAZ!



NITERÓI ATRAÇÃO A PRIMEIRA VISTA
                                         Lucília Dowslley

Um olhar sobre Niterói se reflete na água escondida
Transbordada na face que se emociona
Fonte de inspiração a cada flash que disparo
Nessa realidade de beleza e intrínseca natureza
Transcendendo as dimensões da fotografia
Uma atração a primeira vista.

Niterói água revelada nos olhos de quem ama a terra
Com os pés enraizados em Arariboia e a cabeça projetada no MAC
Traduzem a mística de um povo de várias cores
Ritmos, sons, arte, movimentos, cultura
Berço de grandes nomes, gente simples,
De trabalho e qualidade de vida.


Niterói, comum ouvir: “Não troco por nada”
Mar, serra, montanha, lagoa, litoral, do urbano ao campo
Diversidade compondo cada gota trazida pelo mar
Que acaricia e abençoa esta terra de 440 anos

Niterói, criança sorrindo, um olhar pueril,
Saudoso, vigilante, sonhador, apaixonado, poético
Fica difícil traduzir nos limites da fotografia e dos versos
Possível conhecer, ser e sentir
Fruto desta Terra eu sou parte de ti Niterói
Água que no meu olhar se revelou.









ASSIM ME DISSE UM ANJO
NALDOVELHO


No meu poema,
as palavras nascem, crescem,
se acasalam e dão crias,
sob o manto de uma maldição:
a de serem livres e hereges.
Assim me disse um anjo
ao me abençoar
com o seu perdão.
Palavra da salvação!


LÂMINA AFIADA
NALDOVELHO


Lâmina afiada corta a carne,
expõe entranhas, sangue visguento.

Mexo e remexo, exploro vísceras,
mãos como pinça extraio a dor
cristalizada, faz tempo, dentro de mim.

Extraio a saudade e a lágrima covarde,
semente de outono chorada pra dentro.

Estanco o sangue, costuro o corte
e em cima da mesa deposito tristezas,
papel em bandeja, macero o tumor.

Nasce um poema, lirismo ao avesso.
Apago o abajur, já posso dormir.



MEU VÍCIO
NALDOVELHO

Viciado em lamber madrugadas,
principalmente as insones,
fico todo excitado,
dano de falar bobagens...
Quando percebo:
escrevo um poema.
Mais uma ou duas lambidas,
e escrevo outra vez.
Amanheço remelento de versos.
Pura insensatez!


PALAVRA TARDIA
NALDOVELHO


A palavra sobre a pedra fria
mastigava a letra morta.
A sombra que ela trazia
lamentava a própria sorte:
palavra tardia esta tal de poesia!


PALAVRAS POEMAS
NALDOVELHO


Eu tenho palavras pétalas
e com elas construo caminhos,
mas às vezes esbarro
em palavras espinhos
que ferem meu corpo
e eu sangro o sangue dos tolos.

Por isto cultivo palavras poemas,
toda a vez que colho uma,
parece que as coisas se ajeitam,
fica mais fácil sobreviver.

PÉ DE VENTO
NALDOVELHO


Eu sei de um pé de vento
que às vezes venta por dentro
e espalha pela casa
retratos, cartas, bilhetes,
folhas de papel manuscritas,
poemas inacabados,
vestígios do meu passado.
Se eu deixo a janela aberta,
aí é que aumenta o estrago!
Outro dia encontrei numa esquina
o seu todo retrato amassado
e do outro lado da rua,
o meu livro de poemas,
bastante rabiscado.
Vento que venta por dentro,
respeite os meus sentimentos,
preserve a minha história,
não revele os meus segredos,
sem o meu consentimento.




MESA POSTA

Venha minha vó
o nosso ensopado traz
o aipim feitinho agora
tudo o que se plantou
não esqueça a travessa
a fumaça e a
terrina pintada em flor

chegue com seu avental
engomado em laçarote
cadê você? com o cuidado
do branco pano bordado
– Domingo! –
entre rendas
pontos de cruz.

POEMA DA COZINHA



                           Para Carlos Drummond de Andrade



Refogo meu triste arroz
Pressa cebola e cansaço
E o coração afogado
Tanta fila cidade e batente
Um dia todo não cabe
No ônibus nove nove nove lotado
E a notícia aqui dentro gravada
– o poeta se foi assim apressado.



Vou correndo sem querer olhar
Não me desculpo
Um corpo quieto em close na tevê
(o poeta ali sem escrever nada)
E boba chorei com o José
E com toda dona de casa
(mãos flores mais um close/flores Dolores)
Poeta nem combina com aquela máquina.

PRATO FEITO



Poesia nas mãos
quiabo no fogo
carente o almoço 



há gosto em se dar
a palavra metade
o grude imitando a carne



sentir meio insosso
e a língua se prova
de angústia de arroz 



meio quilo que falta
e o verso na folha
de dor ensopada



sabor pela boca
coração na barriga
prendendo um marido:



prato feito servido
eis a fatia do dia!
e a requentada poesia.







SERINGUEIRA


O tempo era lento,
resina
no lento talhar de marcas
corte e seiva
faca  dores
risos  cheiro
no lento gotejar
de cada dia.



TEIA

Emissão de sinais
código cifrado
entrelinhas
olhares.
Imperceptíveis teias
e
visgo:
Crime premeditado
de aranha.



 CONVERSA DE ANJO

Anjos
pousam nas calçadas,
à paisana:

- A cidade é dura,
disse um deles.

- Quadriláteros concretos,
repetidos,
comentou outro.

- Luzes frias,
artifícios.
Falou o terceiro.

- A cidade arde
em suas pontas,
suas protuberâncias agudas,
suas farpas.
Proclamou aquele
que se mantinha calado.




- Oh, essas pontas
devem machucar os homens
feitos de carne.
Concluiu o primeiro.

- Devem machucar os homens,
feitos de carne.
Repetiram todos.



PERDA


Perda dói
como qualquer dor
sem remédio ou alarde.
Sentimento de roupa esfregada
torcida e batida
três vezes no tanque.




CERTAS PERDAS

É verdade.
É possível perder
o que nunca se teve.
A ilusão
é um nada fantasiado,
mas ocupa espaço.






Rosas Pálidas
   Belvedere Bruno

Retirei do buquê
a rosa pálida.
Nada queria
que me lembrasse
tristezas, nem
frustrações
em cadeia.
Refiz o buquê,
deixando
apenas os botões.
Decidi aguardar
o florescer.

PORTAS ABERTAS
Belvedere Bruno

Portas abertas...
A bem da verdade,
nunca uso trancas.
Quantas vezes
me abaixo, catando
mil e tantos cacos.
Não me despedaço!
Apenas proíbo
que tons ocres
decorem meus dias.

PSIU!
Belvedere Bruno

Silêncio!
Há vozes que se retraem
com medo da vida...
Sofrências que isolam,
num arrastar de correntes,
lágrimas em ponto-de-cruz...
Coroas de espinho,
enfileiradas para a via crucis.
Por que sofro,
se nada tenho com isso?

FICA
Belvedere Bruno

Peço que não vás.
Fica mais um pouquinho.
Como passarei os dias
sem ouvir teu riso e sem fitar
o verde- musgo de teus olhos?
Peço que não vás.
Há um chamado do mar, do sol,
das flores, (sobretudo das azaleias),
pedindo que fiques.
Por isso, não vás!
Diz-me que nada do que falam é verdade,
e que nunca houve prenúncios de partidas...

UM POEMA SIMPLES
Belvedere Bruno

Amanhece. Debruçada
à janela, vejo o movimento
dos pescadores.
Há contagiante energia.
A monotonia, se passa,
não encontra onde estacionar.
Por alguns minutos,
sonho pertencer
a tão vibrante universo.
Integro-me, desatando os nós
que me prendiam

à opacidade dos meus dias.








ESCRAVIDÃO
(Aos meus ancestrais)
Marcia Mendes

"Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!"
(Castro Alves, Navio Negreiro)


Vozes gravadas nas paredes,
Murmúrios deixados nas pedras,
Espectros embrutecidos
Rondando as plantações.

Marcas de água na velha jaqueira
De tantos  prantos em sua sombra chorados.
Dores que vinham com o vento
Para que a chuva as lavasse.

Dos reinos de terras distantes
Atravessaram o mar que os separava.
Acossados em suas desgraças
Presos aos grilhões de ferro, arrastados,
Foram as trinta e seis chibatadas,
Secadas com sal ao sol.

Ah desconhecido mundo novo,
De belas paisagens selvagens...
Se teus mares são calmos e verdes
Tua terra provou tanto sangue!

Brasil de peles morenas,
Que desbravadores imprimiram em teus paraísos
As dores do inferno de Dante?
Tuas montanhas se inclinaram
Ante os gritos dos condenados .
Do alto de teus  picos
Ainda ecoam tantos  lamentos...
Ouço.

No recôndito de teus vales
Onde botas pesadas caçavam pés descalços
A esperança soava longe,
Pois a canção era o réquiem das correntes.
Lágrimas deixadas com tanta dor
Engrossaram as nascentes dos teus rios.

Os ventos sopram memórias
Num culto cambaleante,
Como um soco no estômago,
Trazem de volta os lamentos
de crianças, homens e mulheres,
Dos tempos de terror.

Ah mãe terra que a todos alimenta e come...
Mostra o pôr do sol que enternece,
Imprime o amor entre os viventes, 
Sobeja a igualdade e a solidariedade
No silencio das não-palavras.

Que importam
A força e a beleza da juventude,
A glória e a liberdade de teus hospedes,
Se regurgitas a maldade da qual te alimentam?

Que rompa o silencio a flauta rústica de Pan
E acorde a consciência do sono da intolerância.
Exorcize-se o fantasma do preconceito...
Soerga teu  véu, oh Athena,
Cante o coro das vésperas, 
Fujam as serpentes da crueldade!
  
Não mais podem erguer-se os mortos,
Combatentes da solidão.
"Raiva, delírios, loucuras vãs"
Mas as vozes da injustiça clamam:
Lacrem as entradas da maldade
Do culto da madrugada!
Que vibre a doçura, 
A paz, o amor e a justiça!


O CATIVEIRO CHORA
Marcia Mendes

Som melodioso do vento
O cativeiro chora.
Boca seca de palavras
Rosto esculpido pela dor
Punhado de cristal na mão.
Cuspido o sangue da cor,
Sentido o frio do mundo,
Não há fogo que o fira.
Mas o rumor do oprimido
O cativeiro chora.
Quem pintou minha pele
E fez-me sentir o amargo da terra?
Rio de lágrimas nas minas das gerais.
Falta-me o chão,
O sal e um torrão.
Ramo inacessível de luz
Gritos mudos

Onde minha terra sem prisão?


A DOR DO PRETO
( Aos negros escravizados)

Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão ...(Castro Alves, A Canção do Africano)
Coragem infame.
Saudade da terra
que não conheceu.
A dor do preto
Cavalga a noite e
Trabalha o dia.
Marcas do açoite no corpo
Alma cravejada de dor
No âmago do ser
A vida não vivida.
Secreta boca do tempo
Em vão o consome.
A febre o agita no leito
Ouve o relinchar da morte:
Alimento e profecia.
Treme o seu coração
Leve a floração dos sonhos
Dor sombria.
Lábios balbuciam aos céus
Sentimento fixo, sem rogativas.
Olhos entretecidos,
Mãos frágeis espalmadas
Vida em degredo
Trêmulos horrores.
O negror da noite
Marcou-lhe a pele.
Na paisagem poeirenta,
Tambores rasgam o silêncio do dia.
Mulheres percebem
A chegada do Anjo do sono.
As vestes foram enfim abandonadas
A dor do preto acabou,
Hora de partir.
Poço aberto,
No porão os escombros.
A morte é o cais da madrugada
Que traz o perfume da vida
A quem em vida
Provou a raiz das trevas.

***

IANSAN
(Aos meus ancestrais da Bahía)
Marcia Mendes


Oyá,
soberana senhora!
Beleza encantada da natureza,
Murmúrio de devoção e proteção.
Do redemoinho das canções dos ventos,
Fulgura a insolente dama.
Figura de estonteante beleza,
Flameja e perfuma os ares,
E tudo que se acredita
Torna-se realidade.
Dança, senhora, dança ...
Dança a chuva e avermelha o vento!
Colore o dia,
varre a tristeza,
Vivifica emoções.
Surge altiva na madrugada,
Clareia os espaços por onde passa,
Cega os olhos com quem guerreia,
Congela olhares, atiça o fogo!
Aprisiona com seu remelexo
Todos os corações desatentos.
Reina, senhora, reina ....
Reina única nos nove céus!
Raio-mulher que incendeia a paixão
Desejo incontido, louco desvario
És coração batendo mais forte,
És vida!
Rosto de silêncio,
olhar rascante,
Umedece os corpos e os entrelaça
Na tempestade mágica do amor
Olha, senhora, olha...
Com olhar que magnetiza!
Quem ousa fitá-la?
Deusa negra de tantos deuses
Falta de medo e total fascínio
Delírio das estrelas!
Seu amor é amor enciumado
És impulsão sem limites
És fogo ardente,
Semblante que encanta,
Explode em fogueira ardente de sedução
A fúria da paixão!
Rodopia senhora, rodopia ...
No vendaval, que antecede o aguaceiro do fim de tarde,
És raio que ilumina,
Mistério jamais revelado!
Repentes, explosões descontroladas,
Emoção que brota e
Rasga o peito dos amantes
Amor que enlouquece,
Rosas vermelhas,
Paixão.
Atiça senhora, atiça ....
Nasce do fogo seu desatino!
Move os ares e avermelha o céu,
Mulher indomada da sinceridade,
Veloz como o tufão,
Espalha a magia do amor
Faz do caçador
Eterna presa.
Segredo da vida e da morte,
Da guerra e da paz.
Protege, senhora, protege ....
Guerreira poderosa dos mistérios do entardecer!
Erva prata que brilha nas noites de luar.
Senhora do tempo,
Magia da brisa que refresca,
Anoitece o dia,
Mostra tua fúria
Nas tempestades do céu
E dos corações.
Maga da luz
Senhora que vive em mim, Iansan
Oyá de mim.


***



                                                                 A VOZ DO POEMA
                                                      Jose Terra


O que eu tenho a dizer não está no poema,
Ou talvez passe despercebido na escuridão das entrelinhas:

Operários na escuridão das fábricas
E a gente na escuridão dos guetos.

O que eu tenho a dizer não saiu no jornal,
                                                              não foi lavrado em cartório,
                                                              nem entrou em programa de governo,
Mas está guardado a séculos no peito como uma bomba
E flutua na boca qual um soluço.

O que eu tenho a dizer segue desorientado
Sem esperanças de encontrar repouso em teus ouvidos.
O que eu tenho a dizer
É triste como um salário,
E embora não caiba na marmita,
É leve como uma lágrima.



                          www.joseterra.com.br



A BALA
       Jose Terra

A bala que matou Zé Baixinho
Se alojou no meu coração e na minha poesia

Em algum beco escuro
Debaixo do poste sem luz
Ou no matagal do terreno baldio.

No campo de futebol à noite
Zé Baixinho não driblou sua sorte
Durante a novela das oito
Zé baixinho contracenou com a morte

A bala que matou Zé Baixinho
Matou inocentes na candelária
Em Vigário Geral
No Timor Leste
E Iraque
Por dezenas de anos

Durante as aulas do curso noturno
Durante os sorrisos na lanchonete
Durante a seção de cinema do shoping

Com certificado, registro e patente
Com licença, alvará e destino inconseqüente

Sem distinção social, de raça, ou religião
A bala mata mais negros talvez por distração.

Na saída do baile em noite escura
No caminho que inesperadamente a morte cruza

Na dolorosa subida do morro
Entre iminentes gritos de socorro

A bala que matou Zé  Baixinho
O fez de maneira inaudível
Ninguém viu, nenhum vizinho
A bala que o matou era invisível




Zé Baixinho era invisível
Seus irmãos invisíveis
O meu poema...
Invisível?
Aos olhos?
Ao coração?
De quem?

A bala que matou Zé Baixinho
|Nasceu em antigas minas
Do Paraná, Minas Gerais,
Estados Unidos, Austrália ou China

De forma tóxica e alcalina
Através do solo, no sangue se instala
Antes beneficiadas em usinas
Nas noites sem estrelas viram balas.

Noites minhas e de outros meninos
Que como eu escaparam da morte
Mas não das balas
Que perfuram versos sonhos e ilusão
E se alojam amargas para sempre
Na consciência e no coração.




AMPUTAÇÃO
           Jose Terra

               Volta, Ângela!!!
               Teu nome jorra dos meus pulmões
               E se multiplicam em nitrogênio,
                                                 Hélio, gases nobres
                                                  E cabeças surdas.
               Em alguma praça do Rio:
               Saenz Peña, Afonso Pena, Praça Central do Morro Agudo...
              
               Volta - Ângela.
               Uma outra espécie de grito
               Se debate em seu peito,
               Como um pássaro selvagem
               Preso, pela primeira vez, numa gaiola,
               Arranhando, ferindo, sem que ninguém ouça.

               Volta, Ângela!!!
               Volta pra esse nosso mundo de merda.
               Ainda existe alguma esperança,
               Nem tudo foi interditado.
               Existe também tantas coisas bonitas:
                                               a noite, a praça, o riso...
               Um letreiro luminoso pede a tua volta;
               Veja!
               A letra “L” um pouco fosca,
                                                                  o brilho azul...
               Esse mundo precisa de você.
               Esse mundo precisa de brilho.

               Volta...
               São tantas crianças que nada sabem da vida.
               O que será dos homens de amanhã,
               Se o amanhã se faz em teus dedos
                                               nas tuas palavras intemporais?
               O que será do futuro do nosso país...
               Quando for dia de festa,
               Que festa haverá sem você?

               Ah! Olha o teu nome nosso papel...
               O frio azul da caneta...
               Ainda não interditaram o coração dos homens,
               E um verso desajeitado pula o cordão de isolamento,
               Gritando por você.

               Em qualquer lugar desta galáxia estamos juntos!
               Não há distancia entre as praças e as estrelas
               Os alicerces dos edifícios sabem
               Que estamos juntos.
               Se me escutas do seu exílio,
               Saiba:
               Que há um tempo estamos na rua,
               Mas nossas vozes tem eco na litosfera.

               Nas estações ferroviárias,
               Os operários esperam tua volta.
               Eles não sabem, mas esperamos.
                                               Teu piano mudo te espera,    
                                               E a astronomia dos meus versos
               Sabe que estamos juntos.
                                               Enquanto não nos amordaçam,
               Saiba que te esperamos.

              

                 www.joseterra.com.br


VISÕES DE MARIA
                  Jose Terra


Quase todo dia vejo Maria
Não como normalmente se apresenta
Cada parte do corpo se anuncia
Separadamente e logo se ausenta

Certo dia no metrô seus cabelos
Confundiram-me a visão e o olfato
E tão logo aboletei-me em retê-los
Não eram seus. Não consumei o ato.

As suas pernas no café Viena,
Caprichosamente me obsedavam.
Numa absurda e fantástica sena
Outro corpo, não o seu, carregavam.

Seus olhos fitavam-me indecisos
Sem saber o porquê dessa procura
Nem gestos,  palavras, ou sorrisos
Povoavam a pálida escultura.

Seus quadris balançavam agitados
Numa tarde tão quente de Janeiro
Em meio a multidão, vi dissipados
Sonhos e desvarios por inteiro

Recolhê-la  aos pedaços  poderia
Como um novo  Frankstain urbano
Por Tijuca, Campo Grande, Olaria
Surrealista, visionário, insano

Pernas, boca, olhos e os quadris,
Enfim seu corpo inteiro em minha frente.
Gestos, sorrisos, palavras febris,
Mas a alma não se faria presente.

Quebra-cabeça, mosaico, seu corpo
Que o tempo ou espaço não une
Antes dilui e dispersa o estorvo
Que se o poema nasce não nasce impune

Quase todo dia colho Maria
Flor da memória que o delírio encontra
Em imprecisas formas fugidias
Que Maria, longe não se da conta  





PRECONCEITO
              Jose Terra


Vejo-te por toda parte                                      

E você não existe no Brasil.


Vejo-te no olhar do segurança.                                                                                                                         No descaso da vendedora,                                                                                                      No mau humor do garçom.

Na lotação dos presídios,
No passeio público em dia de domingo.
No cartão de ponto dos piores empregos.

Vejo-te por todo canto da minha pátria.
Sem falar de quando não vejo,
Como um vírus,
Um projétil,
 Uma bactéria.

Vejo-te por todos os cantos,
 E ver ou não ver não alteram os fatos,
 Mas vejo-te.

No cabelo liso da recepcionista,
Na luta redobrada por um lugar ao sol,
Nas fichas das melhores escolas,
Nas fichas das piores escolas,
Vejo-te na indiferença dos que fingem não te ver.

No café da manhã,
No almoço,
No fundo do prato,
Nos olhos dos meus pais e avós.

Vejo-te nas nomeações e promoções, 
 Nos programas de televisão      
Dançando
Entre as bailarinas
                                                  Na tarde de domingo.
Vejo-te onde não há futuro,   
Onde se morre antes de nascer            
E você...  não existe no Brasil.









FILHOS, MITOS

Filhos
vão e voltam,
como na cadência
das ondas do mar.

Eles não nos foram dados
somente a nós emprestados
para criar...

Pelos menos, quando adoecem,
procuram de novo o colo, inesquecível,
insubstituível,
colo de amor visceral,
incondicional,
colo de amor animal.

Ah, coisa sublime
esquisita
e triste,
é ver um filho crescer
sem nem perceber esse curso
tão livre
em que um dia, tal qual um pássaro,
ele põe-se a voar...

E a gente, admirando as asas
seu voo preciso...
e a gente mãe, esse ser sentimento
agora fã, mistura de orgulho e lamento,
o resto da vida
doce, e novamente por ele
esperar.



@CristinaLebre/06/05/13
Código em Recanto das Letras – T4279282